Após muito tempo de espera, a discussão sobre a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária patronal sobre salário-maternidade finalmente será concluída pelo STF. O Recurso Extraordinário n° 576.967/PR foi incluído em pauta para retomada de seu julgamento pelo plenário virtual da corte a partir do último dia 26, a fim de pacificarem a matéria em regime de repercussão geral [1].
Atualmente o placar do STF encontra-se 4 a 3 para afastar a incidência da contribuição previdenciária. Iniciado o julgamento em novembro de 2019, os ministros Roberto Barroso, Carmem Lúcia, Rosa Weber e Edson Fachin já votaram pelo reconhecimento da inconstitucionalidade, enquanto os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski defendem a manutenção da cobrança.
Contextualizando o debate, durante o período de licença do trabalho é assegurado à mulher ou ao adotante da criança — seja de um casal hétero ou homossexual — o direito ao recebimento de salário-maternidade. Tais valores são pagos inicialmente pelo empregador, mas podem ser compensados com as demais contribuições previdenciárias devidas pela empresa, descontando-se do total a ser pago ao INSS, nos termos do artigo 72, §1°, da Lei n° 8.213/91.
Por essa razão, conclui-se que apesar de quem realizar o pagamento ser a empresa, quem suporta o ônus econômico pelo pagamento do salário-maternidade às mulheres e aos adotantes é a Previdência Social. Essa medida é necessária a fim de se garantir a proteção a diversos direitos constitucionais, como o da igualdade de gênero, da proteção da mulher na relação de trabalho, da maternidade e da própria família, quando analisada sob a perspectiva dos cuidados que a criança deve receber [2].
No entanto, apesar desta peculiaridade em sua forma de pagamento, o salário-maternidade ainda integra o salário de contribuição — base de cálculo — da contribuição previdenciária patronal referente à parcela das empresas, de forma que esses valores acabam sendo normalmente tributados sob a alíquota de 20%, nos termos do artigo 28, §2°, da Lei n° 8.212/91.
Tal forma de tributação originou diversas discussões no Judiciário sobre a inconstitucionalidade da cobrança da contribuição previdenciária sobre salário-maternidade. Inclusive, até mesmo a Procuradoria-Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.626, visando a afastar a referida incidência e assegurar a proteção aos já citados direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal.
Do ponto de vista da formalidade, alega-se a inconstitucionalidade por essa cobrança não estar prevista no rol de contribuições destinadas à Seguridade Social do artigo 195, I da CF/88, o que tornaria obrigatória a edição de lei complementar para sua instituição por supostamente se tratar de tributo de competência residual, conforme preconiza o artigo 154, I, da CF/88.
No entanto, com certeza o ponto de maior destaque nesta discussão se refere às alegações de inconstitucionalidade material, nas quais se defende que o salário-maternidade não possui natureza remuneratória e que a manutenção desta forma de tributação gera um tratamento discriminatório entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
Quanto ao primeiro ponto de inconstitucionalidade material, durante o período de licença-maternidade realmente não há nenhum tipo de contraprestação à empresa para caracterizar o salário-maternidade como uma remuneração. Na verdade, mesmo o STF em outras oportunidades chegou a tratar a natureza jurídica do salário-maternidade como a de benefício previdenciário, na medida em que faz parte das atribuições da Seguridade Social assegurar a proteção à maternidade [3].
Já em relação ao segundo ponto de inconstitucionalidade material, referente ao tratamento discriminatório, a discussão ganha ainda mais relevância pois, do ponto de vista social, eventual acréscimo de carga tributária sobre o pagamento do salário-maternidade pode contribuir com o tratamento desigual já existente em nossa sociedade para a contratação da mulher no mercado de trabalho e, porque não dizer, de eventuais adotantes de casais homoafetivos também.
Inclusive, sobre o tema destacamos as palavras de Janaína Penalva e outras autoras em excelente artigo [4] no qual se destaca que “não é necessário muito esforço para se concluir que uma tributação que incida exclusivamente sobre a mão de obra desempenhada por mulheres que se tornam mães serve para criar um entrave à contratação delas e para reforçar o estigma de que a maternidade e os cuidados que ela envolve não são uma questão de ordem pública, ao contrário, são um ônus a ser arcado apenas pelas mulheres. Em última instância, pela legislação tributária atual, o Estado pune a mulher pela gravidez, uma vez que faz recair sobre ela, tão somente em função do seu gênero, um tributo a ser pago pelo seu empregador”.
Não por outro motivo, a Organização das Nações Unidas celebrou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação da Mulher em 1979 e a Organização Internacional do Trabalho elaborou a Convenção n° 103 [5], documentos nos quais se defendem a igualdade de gênero de modo geral, mas também recomendam medidas específicas, como a necessidade de a Seguridade Social proteger a maternidade, a fim de que o ônus econômico seja igualmente repartido entre todos e não apenas pela mulher, pelo adotante ou pela empresa.
Obviamente que não existem apenas argumentos favoráveis ao tema e os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que se posicionaram a favor da tributação, fundamentaram suas posições trazendo pontos relevantes, como o eventual prejuízo para a aposentadoria que a mulher e o adotante poderiam ter pelo não recolhimento da contribuição durante a licença-maternidade ou o tratamento desigual que se poderia criar entre empregado e empresa, já que a contribuição previdenciária do empregado continuaria sendo descontada e a da empresa não.
Todavia, apesar desses pontos, acreditamos que a visão apresentada pelos ministros Roberto Barroso, Carmem Lúcia, Rosa Weber e Edson Fachin para afastar a cobrança da contribuição é mais coerente com a proteção dos direitos fundamentais da mulher, da maternidade e da família, assegurados em nossa Constituição Federal.
Tantas vezes vemos o argumento da extrafiscalidade sendo invocado nas discussões tributárias pelos impactos econômicos que elas podem gerar, o que nos faz acreditar que neste caso não poderia ser diferente, devemos analisar a tributação do salário-maternidade considerando os impactos sociais que esta forma de cobrança causa.
Por essa razão, a discussão deve ir além do Direito Tributário, pois deve considerar todas as questões sociais envolvidas. Todavia, também fica claro em nosso modo de ver, que a resolução deste problema não deve se restringir apenas ao STF no julgamento do RE n° 576.967/PR, mas também ao Poder Legislativo para que os instrumentos que asseguram o tratamento isonômico entre homens e mulheres continuem a ser aperfeiçoados em nosso ordenamento.
[1] A discussão ocorre sob Tema n° 72 — Inclusão do salário-maternidade na base de cálculo da Contribuição Previdenciária incidente sobre a remuneração.
[2] A isonomia do tratamento entre homens e mulheres (artigo 5º, I), a licença da gestante (artigo 7º, XVIII), a proteção da mulher no trabalho (artigo 7º, XX), a proteção à maternidade (artigo 201, II) e à família (artigo 203) estão todos indicados expressamente na Constituição Federal.
[3] O STF definiu no julgamento da ADI n° 1946/DF que a natureza jurídica do salário maternidade teria caráter previdenciário e que deveria ser integralmente suportado pela Previdência Social como medida assistencial, pois eventual limitação do montante pago à mulher faria com que a diferença fosse suportada pelo empregador e isto desestimularia a contratação de mulheres no mercado de trabalho, o que somente aumentaria discriminação já existente.
[4] Vide o artigo “Salário-maternidade no STF: qual é o valor do cuidado?” em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/salario-maternidade-no-stf-qual-e-o-valor-do-cuidado-01022020. A redação principal do texto foi feita por Janaína Penalva (UnB), com revisão de Carolina Gonçalves (UFG), Mirela Rezende (UFG), Karine Marra (UFG) e Melissa de Almeida (UFG).
[5] O Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI n° 1.675/DF e da ADI n° 1.625/DF reconheceu a equiparação das convenções da OIT como normas fundamentais, de modo que possuem força de normas constitucionais em nosso ordenamento nos termos do artigo 5°, §§2° e 3° da CF/88.
Felipe Wagner de Lima Dias
Tributário | Arbach & Farhat Advogados
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