Hoje as discussões sobre a tributação de subvenções por IRPJ e CSLL são normalmente conduzidas no âmbito federal pelos argumentos sobre a sua natureza de investimento ou de custeio e no âmbito estadual e municipal sobre sua eventual ofensa ao pacto federativo e a necessidade ou não de contabilizar estes valores em contas de reserva de incentivo fiscal, nos termos da legislação vigente
Relembrando um pouco o tema, a depender dos requisitos e da finalidade de sua concessão, as subvenções podem ser classificadas como de investimento ou de custeio. Normalmente são tratadas como de investimento quando é necessário que o contribuinte apresente contrapartidas ao ente concessor e de custeio quando não há esta obrigatoriedade, sendo que na primeira hipótese não há a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os valores recebidos e na segunda há a referida tributação.
Tal distinção gerou uma grande discussão jurídica acerca de quais seriam os requisitos para a referida classificação, bem como sobre a possível ofensa ao pacto federativo no caso de benefício fiscal concedido por outro ente federado.
Após muitas discussões sobre sua tributação, em 2018 foi publicado acórdão da 1ª Seção do STJ, resultado do julgamento do ERESP n° 1.517.492/PR, consolidando o entendimento de ambas as Turmas de Direito Público, no sentido de afastar a tributação de IRPJ e CSLL sobre créditos presumidos de ICMS, por entender que a União não poderia tributar as desonerações concedidas pelos Estados, sob pena de interferir em uma política de incentivo estadual, o que implicaria em ofensa ao Pacto Federativo.
Apesar da decisão ser favorável aos contribuintes, o art. 9° da Lei Complementar n° 160/2017, publicado à mesma época do julgamento, ainda determina que todos as subvenções de ICMS devem receber o tratamento de subvenções de investimento, deixando de serem tributadas por IRPJ e CSLL, desde que contabilmente elas integrassem uma conta de Reserva de Lucros e fossem destinadas à absorção de prejuízos ou ao aumento de capital social.
Este conflito ainda não foi pacificado pela 1° Seção do STJ, mas recentemente a 2° Turma deste tribunal, no julgamento do REsp n° 1.605.245/RS, entendeu que as subvenções estaduais não devem ser tributadas por IRPJ e CSLL, independentemente de sua classificação ou destinação contábil, afastando a previsão do referido art. 9° da LC n° 160/17. Na prática, este julgamento reconheceu que independente da forma como a subvenção seja registrada contabilmente, se concedida no âmbito estadual, não poderá sofrer a tributação da União.
Muitas notícias já foram veiculadas a respeito do tema, pois se trata de entendimento favorável aos contribuintes de modo geral. E, apesar do julgamento não ter sido feito em 1° Seção ou na sistemática dos Recursos Repetitivos, este precedente nos traz reflexões sobre como o tema de subvenções deve ser tratado a partir de agora.
O primeiro ponto de reflexão é que, apesar dos julgamentos realizados pelo STJ serem especificamente voltados para as hipóteses de crédito presumido de ICMS, o critério adotado para afastar a tributação de IRPJ e CSLL foi a ofensa ao pacto federativo, o que demonstra que seu alcance não se restringe apenas à esfera estadual, mas se estende aos Municípios e ao Distrito Federal, os quais igualmente adotam políticas de incentivos locais.
Isso porque, independentemente de sua finalidade ser o custeio ou o investimento de empresas, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal que concedem estes incentivos visam esta desoneração para atingir algum objetivo, como a atração de empresas para seus territórios, a tributação favorecida de produtos considerados essenciais, o apoio a um determinado setor econômico, etc.
Portanto, em qualquer cenário, tais medidas de subvenção devem ser consideradas como Política Fiscal do ente federativo, de modo que a União, Estados, Municípios e Distrito Federal não devem tributar valores subvencionados por outros entes federativos.
Um segundo ponto de reflexão, talvez cause estranheza imaginar que as subvenções Municipais e Distritais não seriam tributadas por IRPJ e pela CSLL, pois os julgamentos do STJ tratam especificamente do instituto jurídico de crédito presumido e não é comum vermos a concessão de subvenção por estes entes usando este instituto (crédito presumido), especialmente considerando a natureza dos tributos que possuem competência para arrecadar, como ISS, IPTU e ITBI.
Todavia, subvenções tributárias não se restringem a benefícios fiscais de crédito presumido, mas são toda e qualquer forma de desoneração do custo tributário, como isenções, reduções de base de cálculo e afins [1], pois tais medidas sempre fazem parte de uma Política Fiscal e do ponto de vista de Direito Financeiro, sempre implicam em renúncia de receita ao ente concessor [2].
Nesse sentido, do ponto de vista contábil [3], inclusive pelas normas internacionais, as subvenções devem ser reconhecidas como receitas e devem transitar pelo resultado, o que significa dizer que elas compõem o lucro do exercício.
Assim, quando tratamos especificamente da figura de crédito presumido de ICMS (ou mesmo de outro tributo), por se tratar de um lançamento de crédito direto na escrita fiscal, torna-se mais fácil visualizar que esta subvenção se trata de um ingresso de novos valores na pessoa jurídica. Já nos casos de isenções e reduções de base de cálculo, mesmo que contabilmente elas sejam lançadas como uma redução do passivo e não como ativo, direto na escrita fiscal, também são subvenções, razão pela qual, em nosso entender, deveriam receber tratamento tributário similar ao de crédito presumido, pois o aumento do lucro contábil da empresa ocorre em função de renúncia de receita do Estado.
Em outras palavras, a forma como determinado benefício fiscal é escriturado contabilmente não deveria ser um fator relevante para aplicarmos um tratamento tributário diferente. Além disso, adotando o entendimento do REsp n° 1.605.245/RS do STJ sobre a desnecessidade de registro de subvenções em contas de reserva, verificamos que este precedente reforça ainda mais que não é a classificação ou registro contábil dos valores que deverá ser observada para sua tributação, mas sim o impacto financeiro que eventual tributação da União sobre estas subvenções teria, esvaziando a medida incentivada do outro ente federado.
Portanto, entendemos que as reduções provenientes de outros tipos de benefícios fiscais como isenções ou reduções de base de cálculo, quando concedidas por outros entes, também não deveriam ser tributadas pela União, visto que se trata de medidas de Política Fiscal Estadual ou Municipal.
O terceiro ponto de nossa reflexão se refere aos programas de parcelamento incentivado e de transação tributária concedidos pela União, Estados e Municípios. Na prática, apesar de serem instrumentos de arrecadação, a renúncia de encargos moratórios também consiste em renúncia de receita, razão pela qual do ponto de vista contábil e do Direito Financeiro, são perfeitamente classificáveis como subvenções.
Assim, aplicando os critérios adotados pelo STJ, também ousaríamos dizer que eventuais reduções de multa e juros não poderiam implicar nem em aumento do lucro para fins de IRPJ e CSLL, nem como receita para fins de PIS e COFINS, pois em ambos os casos a tributação da União poderia ser considerada interferência nos objetivos que tais programas desejam alcançar na Política Fiscal dos Estados e Municípios.
Por essa razão, percebe-se que os critérios jurídicos adotados pelo STJ são extremamente amplos e, ao nosso modo de ver, assim como ocorreu com o julgamento do RE n° 574.706/PR pelo Supremo Tribunal Federal sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, é importante analisar e debater todos os desdobramentos financeiros e contábeis que este entendimento traria.
Obviamente não estamos afirmando que todas estas medidas podem ser adotadas do dia para a noite a partir dos recentes julgados do STJ, mas sim que acreditamos que muitas discussões poderiam vir a partir destes questionamentos, eis a tendência que têm sido demonstrada pelos Tribunais Superiores em se preocupar com os desdobramentos práticos e financeiros que algumas decisões e construções tributárias acarretam, inclusive na linha dos dispositivos 20 e 21 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro [4].
[1] O conceito tem origem no Direito Financeiro por meio do art. 12 da Lei n° 4.320/64, no qual se prevê subvenções como despesas do orçamento público com a finalidade de custeio ou de investimento. Assim, em nossa perspectiva, entendemos que podem ser consideradas como subvenções todas as modalidades de incentivo fiscal, sendo um bom referencial aqueles listados na Cláusula Primeira, §4º do Convênio ICMS nº 190/2017.
[2] Tratamos melhor sobre a evolução histórica do conceito de subvenções e seus desdobramentos financeiros em nossa obra BRAGA, Régis Fernando de Ribeiro. MOREIRA, Luan e outros. Estudos Aplicados de Direito Empresarial Tributário. Editora Almedina. Ano 2019. São Paulo.
[3] No Brasil a forma de contabilização das subvenções está prevista nos itens 12 e 15 do Pronunciamento Técnico Contábil n° 07 do CPC, seguindo a norma internacional de contabilidade “IAS 20 – Accounting for Government Grants and Disclosure of Government Assistance”.
[4] Recomendamos a leitura do artigo “O consequencialismo jurídico e o artigo 20 da Lindb”, publicada no Conjur em 07/06/2019. Vide https://www.conjur.com.br/2019-jun-07/opiniao-consequencialismo-juridico-artigo-20-lindb
Felipe Wagner de Lima Dias
Tributário | Arbach & Farhat Advogados
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Luan Moreira
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